RIO — Uma postagem feita no perfil oficial da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) nas redes sociais vem causando revolta em ativistas pela conscientização da Aids. Na publicação, a IURD afirma que um casal soropositivo abandonou o tratamento para o HIV e se curou após entrar para uma corrente de orações. O Fórum de ONG/Aids de São Paulo (Foaesp) protocolou uma denúncia sobre o caso junto ao Ministério Público Federal (MPF) para averiguar os crimes que podem ter sido cometidos.

Em nota, a Igreja Universal nega que tenha propagado que curou, mas defende que a fé é elemento importante no tratamento de doenças. A postagem foi apagada das redes sociais da instituição religiosa na tarde desta quinta-feira.
Para Roseli Tardelli, diretora da Agência Aids, portal dedicado a notícias sobre a doença, o ato cometido pela IURD foi “um crime”, “um desserviço” e “uma afronta à ciência”.
— É uma irresponsabilidade. Um ato criminoso e irresponsável. Uma afronta à ciência. Um desserviço. Trabalho com Aids desde 1993, quando meu irmão se infectou. Sempre tratamos do tema com muita responsabilidade — afirmou. — Como ativista, me sinto absolutamente desrespeitada. Estão sendo parceiros da morte e não da vida .
Ainda segundo ela, esse tipo de conteúdo numa rede social pode fazer com que pessoas que tenham dificuldade com os medicamentos ou não aceitem a doença abandonem o tratamento.
— Existem três casos de cura no mundo. A forma são ações com transplantes de medula. O resto é medicamento com tratamento multidisciplinar — frisou Tradelli.
O poeta e ativista de direitos humanos Ramon Nunes Mello também classificou a postagem como criminosa:
— Prometer cura para a Aids através oração, colocando um casal como propaganda é crime. Estamos em 2022 e o estigma da Aids ainda permanece. A Igreja Universal deveria ser responsabilizada pelo Ministério Público por charlatanismo e curanderismo e ser obrigada a fazer palestra em prol de adesão ao tratamento de HIV/Aids, a única forma cientificamente comprovada de combater o vírus.
Ele destacou que quando se depara com um caso como esse se sente como se estivesse voltando no tempo.
— Tenho a sensação de viver no início da epidemia, nos anos 80. Se alguém decidir parar de tomar medicação para rezar, se responsabilize por sua saúde. O que não pode é uma instituição religiosa incentivar essa prática e prometer cura — disse.
O deputado federal e ex-ministro da Saúde, Alexandre Padilha (PT-SP), encaminhou o caso para o procurador Carlos Alberto Vilhena, da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC).
— Essa é uma atitude irresponsável, criminosa e anticristã. Já não basta o estigma em relação às pessoas que vivem com HIV, que infelizmente é reforçado por muitos falsos profetas, mentir descaradamente não pode ser admitido. Irei, como infectologista e como coordenador da frente parlamentar de enfrentamento a HIV Aids, buscar todas as medidas judiciais possíveis para não deixar isso se perpetuar — disse o deputado.
A postagem no perfil da Universal foi feita na última terça-feira. Nela, há duas fotos: de um casal, identificado como Manoel e Rosemeire, na praia, e outra do homem deitado num leito hospitalar. O texto diz que os dois não aceitaram o tratamento e cita que “o tempo de milagres não acabou”. E finaliza: “Você também precisa de uma cura que é impossível para a medicina? A sua fé pode fazer o milagre acontecer, participe da Corrente dos 70, em uma Universal mais próxima”.
Condenação anterior
O incentivo para que as pessoas abandonem o tratamento contra o HIV não é inédito na Universal. Em 2015, a igreja foi condenada a indenizar em R$ 300 mil um fiel soropositivo que abandonou o tratamento, deixou de usar preservativos e acabou infectando sua esposa.
A Universal foi inicialmente condenada a indenizar o fiel em R$ 35 mil e alegou “ausência de imparcialidade por convicções religiosas” por parte da juíza Rosane Wanner. A reversão da sentença foi negada e ampliada em 760% devido aos danos causados à saúde da vítima.
Em nota, a Igreja Universal do Reino de Deus disse que a postagem tratava de um “testemunho espontâneo de um casal, que anunciou ter sido curado de uma grave doença pela Fé”. A instituição religiosa também afirmou que não fez qualquer alegação de ter curado o casal, pois “Igreja não cura”, mas a “cura se dá pela Fé”.
A Universal também alegou que estudos comprovam que a Fé ajuda na cura dos enfermos, em “uma combinação da Fé com a Medicina.
Fonte: O Globo